quarta-feira, 14 de novembro de 2007

“Bem-vindos”, ou a arte como espelho.


A última vez que aqui escrevi estava em Macau. Foi há mais de um mês. Mas, na volta, também voltou o trabalho, o mestrado, a casa por arrumar, os jantares para fazer. É a vida! As viagens são apenas agradáveis intervalos.
Ainda assim andava com Macau engasgado, porque existem sempre coisas por escrever (e por pensar). É o caso desta exposição, com obras que foram a concurso para representarem a cidade na bienal de Veneza.
Procurei, durante quase toda a minha estadia, uma imagem que condensasse “Macau”. Procurei-a nas ruas, nas caras das pessoas, nos templos, nas paisagens. Deveria já saber que imagens dessas só se encontram nos museus. Só a arte é capaz de tal “condensação”. Escolhi a instalação da imagem e o texto que a acompanha, ambos da autoria de Key Ut Ana e Sofia Celina Lei:

Durante um passeio com um amigo português, conversámos sobre a arquitectura portuguesa de Macau. E perguntei-lhe: “Achas que a arquitectura portuguesa de Macau é semelhante à de Portugal?”, “É semelhante em termos formais”, respondeu ele, apontando para um edifício à beira da estrada, “mas em Portugal não existem estas coisas. São horríveis!” Olhei na direcção em que ele apontava. As “coisas horríveis” a que ele se referia eram as grades nas janelas de cada andar do edifício.
Julgo que a maior parte das pessoas que, como eu, cresceram em Macau não têm opinião formada sobre as janelas gradeadas. Contudo, a observação do meu amigo levou-me a reflectir neste “hábito” particular dos residentes de Macau – por que raio havemos nós de ver o céu aos quadradinhos quando abrimos a janela?
Neste trabalho – intitulado “Bem-vindos” gostaria de utilizar as grades de janela, um traço arquitectónico peculiar de Macau, para expressar o sentimento de auto-protecção e de insegurança que as gentes de Macau sempre possuíram em demasia. As pessoas de Macau, que vivem em tais ambientes, habituaram-se gradualmente a “enclausurar-se” a si próprias
Os forasteiros sempre se admiraram com este dispositivo. No entanto, as gentes de Macau desde há muito se habituaram a esconder-se por detrás destas grades e a observar a paisagem e os vizinhos através deste prisma metálico. Nunca nos apercebemos das grades que existem, tanto no exterior das janelas como no interior dos nossos corações.
“Bem-vindos” é um convite para ver as janelas gradeadas de Macau da perspectiva de quem nos visita, como gaiolas bem à vista porém ignoradas pelas gentes de Macau – sólidas janelas gradeadas construídas no coração das gentes de Macau ao longo de várias gerações.”


Este é o texto que explica a obra.
Quanto a mim escolhi-a porque gostei das grades. Gostei destes espaços intermédios que ainda são as casas das pessoas, mas que também são espaço públicos, na medida em que são olhados, partilhados por quem passa na rua. Para mim estas construções engaioladas são bonitas e até poéticas. E adorei Macau: as ruas, as gentes, a confusão, o calor…
Não posso deixar de agradecer a todos os que me receberam e que me mostraram sítios novos: Quim, Leonor, César e Lucília. Também, e muito especialmente, à minha tia Margarida e à minha mãe. E ao meu irmão Ivo, que é o mais importante!