quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Fissuras no tempo


Tempo passado

Tenho na minha sala uma máquina de costura que era da minha avó Clotilde. É uma Singer daquelas que se coloca virada para baixo dentro de um móvel. Digamos que esse móvel não é excecional do ponto de vista estético. Mas acontece que quando o abro é uma máquina do tempo. Tem as caixas e caixinhas que a minha avó utilizava para guardar as coisas. Tem o tapete amarelo no pedal da máquina. Tem vários novelos de lã e de linha de diversas cores. E sobretudo, tem o cheiro que tinha na altura em que a minha avó a utilizava.

Tempo presente

O M. veio da escola na fase de fazer pulseiras com fios. É um repeat do que todos passamos aos 7 ou aos 9 anos. Pulseiras de várias cores, com os mais variados fios. Em pouco tempo apareceu-me com umas quatro pulseiras, todas diferentes. Pensei que tinha pedido fios às colegas, mas ali estavam os sacos da minha avó abertos, com novelos prontos a serem utilizados. Muito havia ela de ter gostado de ver.

Fissuras no tempo

Arrumei tudo, dentro da ordem que consegui, que normalmente é pouca (muito pouca). Mas quando voltei a entrar na sala estava um pequeno bilhete no chão. Contas de malhas, daquelas que a minha avó pousava no colo enquanto estava a tricotar serenamente, em silêncio. Foi como se estivesse ali, tivesse acabado de se levantar e a nota manuscrita lhe tivesse caído do colo.
Mais à frente, o novelo amarelo, pequeno, bem enroladinho.
A ordem, tudo o que não consigo na minha vida – caótica – e na minha casa – desorganizada. Que falta me faz a minha avó.

Passou tanto tempo

Tive uma filha. Chama-se Maria.
Foi há mais de um ano.
O Manuel está enorme. 9 anos. Não sabe que este blogue existe.
Todo o tempo é rápido a passar? Ou há casos em que não?

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Maturidade

Em conversa com uma amiga chegámos à conclusão que procurávamos coisas no nosso blogue. É uma espécie de arqueologia de nós próprias, acho... Já procurei citações de livros ou imagens. Tenho aqui um belo arquivo da infância do M. (o que provavelmente já não farei com a Maria).
Não sei o que será o futuro disto, mas faz-me falta escrever. e ainda mais falta me faz pensar.
Ando afastada de mim própria.
Por isso, faz para mim todo o sentido estas frases da Elena Ferrante em "História de quem vai e de quem fica". Como não as quero perder no arquivo do que sou voltei aqui.

"Dizia para comigo que a maturidade consisitia em aceitar o rumo que a vida tomara sem nos agitarmos muito, traçar um sulco entre a rotina diária e aquisições teóricas , aprendermos a olhar para nós e conhecermo-nos, enquanto esperamos por grandes mudanças."

e, no diálogo entre Nino e Pietro:

"Tens de dar mais tempo à tua mulher."
"Tem o dia inteiro à disposição."
"Não estou a brincar. Se não o fizeres, és culpado, não só no aspeto humano como no político."
"Qual seria o crime?"
"O desperdício de inteligência. Uma comunidade que acha natural sufocar com os cuidados dos filhos e da casa tanta energia intelectual de mulheres, é inimiga de si própria e não se apercebe disso."

( a imagem é da série que a HBO fez inspirada nos livros. Não tinha outra para por.)