quinta-feira, 23 de junho de 2011

Cesário


O meu avô sentava-se ali, na penumbra da cozinha, a descascar lentamente uma maçã com a sua faca para além de gasta. Brilhavam-se-lhe os olhos sempre que nos via, a mim ou a um dos meus irmãos. Chamava a meu irmão "sacanita" quando ele era mais pequeno.
Depois do almoço, o ti Chico Varinha - que tinha asma - passava à porta e gritava: "eh, lavrador!" e o meu avô saia para irem tomar café.
O meu avô tinha todo o tempo do mundo e comportava-se como tal. Deixava queimar as torradas, o que enervava profundamente a minha avó. Sentava-se no banco do jardim de Sacavém enquanto nós corríamos e tinhamos tempo de fazer parvoíces. Apanha p a c i e n t e m e n t e formigas com o meu irmão mais novo. Dormitava sentado no sofá com a cara tapada com um lenço. Apanhava as molas de roupa que achava no chão - e por isso eu herdei um cesto tão colorido. Coleccionava "baraços" que um dia iriam ser necessários.
Um noite, depois de fazer café de cevada na "escolateira" azul não se chegou a deitar. O café ficou lá, um dia, uma semana. Depois a minha avó deitou-o fora.
Um dia, muitos dias, anos depois, quando a casa entrou na escuridão, fui lá buscar a chocolateira que o meu avô utilizava. Agora passo por ela todos os dias - e alegra-me que sirva de suporte a uma vida. Todos os dias, até ao fim dos meus dias, o meu avô Cesário há-de estar vivo.
(vou procurar uma fotografia dele)

domingo, 5 de junho de 2011

Fomos passear



e gostámos muito do barquito

Mãe

Mãe é isto
virar a cabeça para onde quer ele esteja
chegar tarde
chegar tarde
e dar banho e comida
e o ivo a fazer o jantar
jantar
vir com o piolho para a sala
ler livros, identificar macacos, bananas, girafas
É perguntarem-me pelo doutoramento e eu achar que isso é doutra galáxia, não da minha
é responder mil vezes que não vou fazer douturamento, não agora
É pensar no blogue todos os dias (neste e no Mercado) e não conseguir escrever nada
Não conseguir vir aqui
Querer escrever sobre Walden
ou discordar do Mário Cordeiro que diz "se não os frustarmos vão ficar detestáveis"
Ser mãe é ter saudades quando ele está a dormir, mesmo que seja só há uma hora (como agora)