Tempo passado
Tenho na minha sala uma máquina de costura que era da minha
avó Clotilde. É uma Singer daquelas que se coloca virada para baixo dentro de
um móvel. Digamos que esse móvel não é excecional do ponto de vista estético.
Mas acontece que quando o abro é uma máquina do tempo. Tem as caixas e
caixinhas que a minha avó utilizava para guardar as coisas. Tem o tapete
amarelo no pedal da máquina. Tem vários novelos de lã e de linha de diversas
cores. E sobretudo, tem o cheiro que tinha na altura em que a minha avó a
utilizava.
Tempo presente
O M. veio da escola na fase de fazer pulseiras com fios. É
um repeat do que todos passamos aos 7 ou aos 9 anos. Pulseiras de várias cores,
com os mais variados fios. Em pouco tempo apareceu-me com umas quatro
pulseiras, todas diferentes. Pensei que tinha pedido fios às colegas, mas ali
estavam os sacos da minha avó abertos, com novelos prontos a serem utilizados. Muito
havia ela de ter gostado de ver.
Fissuras no tempo
Arrumei tudo, dentro da ordem que consegui, que normalmente é
pouca (muito pouca). Mas quando voltei a entrar na sala estava um pequeno
bilhete no chão. Contas de malhas, daquelas que a minha avó pousava no colo
enquanto estava a tricotar serenamente, em silêncio. Foi como se estivesse ali,
tivesse acabado de se levantar e a nota manuscrita lhe tivesse caído do colo.
Mais à frente, o novelo amarelo, pequeno, bem enroladinho.
A ordem, tudo o que não consigo na minha vida – caótica – e na
minha casa – desorganizada. Que falta me faz a minha avó.