"Do not ask me who I am and do not ask me to remain the same: leave it to our bureaucrats and our police to see that our papers are in order. At least spare us their morality when we write." Michel Foucault
sábado, 8 de maio de 2010
Entre nós e a arte
Muitas vezes me questiono sobre a necessidade da minha profissão... Às vezes acho que, sinceramente, estou ali a mais. Um educador de museu deve ter sempre essa consciência: muitas vezes é preferível deixar o público sozinho com a obra, ou vice-versa. Por muito que saibamos, nem sempre devemos ter a pretensão de que os outros querem ouvir o que temos a dizer. Acredito que, entre um homem e uma obra de arte, as palavras estão sempre a mais.
Mentira... (?) Afinal eu sou de história de arte e todos os dias faço visitas orientadas. Felizmente não faço visitas orientadas num museu de arte, senão vivia em constante crise existencial, acabava por enlouquecer e fazer visitas mudas! Idealmente, a visita deveria servir apenas para apresentar pistas, colocar questões, desarrumar ideias... No dia a dia não é isso que acontece! Acabamos sempre por falar mais do que devemos e, muito sinceramente, acho que estorvamos a comunicação entre o grupo e o espaço do museu, conjuntamente com as obras aí expostas. O equilíbrio é difícil, senão mesmo impossível!
A única coisa que me consola é que eu própria gosto de ir assistir a visitas noutros museus, aprendo imenso e fico com uma visão diferente das exposições. Desde que o orientador da visita não seja demasiado chato...
"Agora, entra um grupo de senhoras com um senhor que as guia. O guia sabe tudo e quer que os outros saibam que sabe tudo. Cita datas, factos, interpretações, anedotas. Não há pausa no seu falar. As ouvintes estão esmagadas. Para não serem mais esmagadas, começam a bichanar entre elas. Comentam a gravata que o guia traz. Ele continua a falar. Enquanto aponta para a tela de Jan Weenix "Pavão e Troféus de Caça", uma das senhoras, a mais mundana, sussurra: "Sabe tanto de arte, mas não sabe vestir. A gravata é medonha e o casaco feiíssimo." Aquela a quem diz disto riem num murmúrio. O professor, com a sua gravata e o seu casaco vilipendiados sem que o saiba, fala dos pintores do barroco espanhol. Aponta para o quadro de Antonio de Pereda Salgado "Natureza-Morta com Empada, Legumes e Aprestos de Cozinha!. Depois, fala da tela de Juan Sánchez Cotán "Natureza-Morta com Flores, Legumes e Cesto de Cerejas" Explica, relaciona, elucida, esclarece - prolixo, minudente, precioso. A certa altura, já ninguèm o ouve, já ninguém olha. Só ele se ouve. Só ele vê."
José Manuel dos Santos, "Os Cinco Sentidos", Actual/Expresso, 27 de Março 2010
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