"Do not ask me who I am and do not ask me to remain the same: leave it to our bureaucrats and our police to see that our papers are in order. At least spare us their morality when we write." Michel Foucault
sexta-feira, 25 de abril de 2008
Eu vejo tudo enquadrado
"Enquadrar 1 meter em quadro; 2 emoldurar; encaixilhar; 3 tornar quadrado; 4 integrar em determinado meio ou contexto; FOTOGRAFIA, CINEMA posicionar no visor da cãmara para filmar ou fotografar" Dic. de Português, Porto Ed.
Penso neste post há algum tempo. Desde que fui ao Porto.
A arquitectura consegue, muitas vezes e de maneira surpreendente, tornar-se uma arte maior. Não consigo lembrar-me, ou perceber, desde quando é que começámos a sentir a necessidade (se é que foi "necessidade")de escolhermos pequenos pedaços do mundo para destacar do resto. Escolher um fragmento de uma paisagem a pintar, uma parte de uma cidade a fotografar ou a filmar.
Passa-me pela cabeça que a maior invenção da história da arte possa ter sido a moldura. Essa mesma moldura grande, pesada, trabalhada e dourada dos séculos XVIII e XIX. Essa moldura que punha precisamente em destaque o que merecia ser visto, ser olhado. O próprio pintor só existia em função da moldura, do enquadramento. Só aí, em pequenos fragmentos, criteriosamente escolhidos, poderia merecer ser pintado o que o artista pretendia destacar. Olhem Friedrich!
E Siza sabe isso. Acho que ele sabe. É preciso escolher bem o sítio das janelas, esse lugar fronteira entre o nosso mundo e o dos outros. A arquitectura é também ela enquadramento, embora só alguns saibam.
Como seria bom poder escolher sempre ver o mundo enquadrado!
Talvez seja este, afinal, o tema da canção de Adriana Calcanhoto, "Esquadros":
Eu ando pelo mundo prestando atenção
Em cores que eu não sei o nome
Cores de Almodóvar
Cores de Frida Kahlo, cores
Passeio pelo escuro
Eu presto muita atenção no que meu irmão ouve
E como uma segunda pele, um calo, uma casca,
Uma cápsula protetora
Eu quero chegar antes
Pra sinalizar o estar de cada coisa
Filtrar seus graus
Eu ando pelo mundo divertindo gente
Chorando ao telefone
E vendo doer a fome nos meninos que têm fome
Pela janela do quarto
Pela janela do carro
Pela tela, pela janela
(quem é ela, quem é ela?)
Eu vejo tudo enquadrado
Remoto controle
Eu ando pelo mundo
E os automóveis correm para quê?
As crianças correm para onde?
Transito entre dois lados de um lado
Eu gosto de opostos
Exponho o meu modo, me mostro
Eu canto para quem?
Pela janela do quarto
Pela janela do carro
Pela tela, pela janela
(quem é ela, quem é ela?)
Eu vejo tudo enquadrado
Remoto controle
Eu ando pelo mundo e meus amigos, cadê?
Minha alegria, meu cansaço?
Meu amor cadê você?
Eu acordei
Não tem ninguém ao lado
Pela janela do quarto
Pela janela do carro
Pela tela, pela janela
(quem é ela, quem é ela?)
Eu vejo tudo enquadrado
Remoto controle
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