Acho que posso considerar-me uma pessoa com sorte. Diria mesmo, uma pessoa feliz (isto é um palavra tão grande).
Tive quatro avós até tarde. Ainda tenho dois fantásticos
avós. Foram eles que construíram a minha infância.
O meu avó Cesário morreu quando eu tinha 23 anos. Todo ele
era um sorriso. Tinha os olhos muito brilhantes e as mãos muito magras.
Ensinou-me a descascar laranjas e o significado da palavra devagar. Trazia para
casa "baraços" (que faziam sempre falta) e molas de roupa que encontrava na rua.
Passeava e bebia café e ia dormir para o sofá quando eu ficava à noite na casa
da minha avó.
Da minha avó Clotilde não posso dizer muito. O meu corpo é o
dela. Uma parte grande de mim morreu com ela e jamais deixarei de sentir
saudades. Os olhos da minha avó eram de água e quando digo o nome Clotilde os
meus olhos tornam-se também água. Uma das minhas maiores mágoas é que não tenha
conhecido o Manuel, sei tão bem como a teria feito feliz.
Mas sou sortuda. Os dois pais da minha mãe vivem. A minha
avó Maria e o meu avô Manuel lutaram a vida inteira e ainda lutam, embora de
formas diferentes. Nunca, nunca me vou esquecer do tempo em que cantavam à
desgarrada nem das manhãs em que o meu avô saía para o trabalho e eu ia dormir
para a cama da minha avó. O meu avô Manuel é a pessoa mais bonita que conheço,
a minha avó Maria é a mais paciente.
Não sei quanto tempo mais os meus avós vão viver, mas acho
que vão chegar aos cem anos! Mas mesmo que isso não
aconteça a marca que deixaram em mim e no meu filho (mesmo que ele não sinta
isso de uma forma consciente) já é bastante forte. Porque não há nada no mundo
mais importante do que aprender a descascar favas ou a dançar a dança do
marujinho…
Assim, sendo, que me perdoem os avós: longa vida a todos os
bisavós deste mundo!
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