Embora seja uma rapariga nascida em pleno Chiado, a minha infância foi passada nos subúrbios de Lisboa. Felizmente, tanto os meus pais como a minha avós viviam em casas que davam para a rua. Da janela da minha avó, que morava numa cave, saia um escadote de madeira com uma comprida base que servia a sua casa e a da vizinha do lado. Descíamos nele com o maior dos cuidados e lembro-me bem de passar as tardes quentes de Verão numa rua em que não existia trânsito e que tinha um terreno de terra batida que servia para desenharmos jogos de macaca e para fazermoas as mais estranhas comidas para as bonecas. Lembro-me de fazer os mais intrincados labirintos para jogar ao elástico e de um limão de plástico que ficava preso a uma perna para nos por a saltar com a outra.
Fui a primeira filha, primeira sobrinha, primeira neta e primeira bisneta. Tive todos os privilégios e continuei a tê-los mesmo depois dos outros nascerem. O meu irmão Ivo, três anos mais novo, iluminou a minha vida e continuou a ser uma peça fundamental, sobretudo na altura em que os nossos pais se separaram. A primeira recordação que tenho de vida é daquele bebé de chucha azul no berçário. Hoje, é um homem de sorriso doce e sincero como o do meu avô Cesário.
Os meus avós, Cesário e Clotilde, foram os grandes guardiões de uma infância feliz e livre e continuaram sempre presentes atá ao início da idade adulta, tendo deixado para sempre marcas de doçura no meu coração.
Com a minha avó Maria ficava aconchegada na cama nos dias em que lá dormia quando, de manhã, o meu avô ainda saía para trabalhar depois de ter feito os seus 10 minutos diários de exercício. Com eles aprendi a pensar em política e na liberdade e, mais tarde, comecei a passar férias numa bonita aldeia do baixo alentejo onde conheci um velho e sábio pastor.
Na adolescência tive muitas paixões não correspondidas, amizades maravilhosas e laivos de rebeldia que me levaram a ser baixista de uma banda punk feminina e uma ocupa arrependida.
Aos 18 anos não liguei aos conselhos do meu pai que queria a todo o custo que eu seguisse direito em vez de História da Arte. Fiz a faculdade enquanto fazia tudo o resto: o grupo de teatro, a associação de estudantes e até a militância política. Tive um gato chamado Picasso, deixei de viver na casa da minha mãe para ir para a do meu pai e deixar de ter o gato. Foi preciso ir para Barcelona de Erasmus para subir as notas. Fui feliz nesse ano, apenas assombrado pela morte do meu avô, mas em que comecei a namorar com o Ivo.
A vinda de Barcelona parecia ter sido o fim de um sonho e as primeiras buscas de trabalho foram difícies... Pensei que tinha de desistir, não via muita luz ao fundo do túnel. Continuei a estudar, suponho mais por vontade e gosto do que pela esperança de ter um emprego a "sério" e na área. Tive óptimos professores, li livros e autores de jeito e aprendi a estruturar o pensamento.
Comprei uma casa, numa altura em que não tinha emprego fixo. Arrisquei. Assustei-me. Segui em frente.
Trabalhei no Palácio da Ajuda e depois segui para o Museu onde ainda hoje trabalho. Fiz tudo: serviço educativo, comunicação e, agora, investigação. Todos os dias descubro coisas novas embora gostasse que o meu trabalho fosse menos solitário.
Aos 31 anos fiquei grávida, os 32 tive o Manuel e entreguei a tese de mestrado. Apaixonei-me pelo meu filho e reapaixonei-me pela vida. O meu centro de gravidade passou a ser essa outra pessoa que parece estar a crescer à velocidade da luz, porque já tem cinco anos. Ainda tenho avós, que são os bisavós do Manuel e gosto muito de os juntar a todos.
Não sou sempre quem quero: às vezes grito, discuto com pessoas e não tenho muita paciência para gente demasiado extrovertida. Não gosto que falem alto.
Gosto de raposas, de coisas pequenas, de flores selvagens, dos desenhos das cascas dos caracóis. Gosto de pessoas que têm dúvidas. Acho que chegar tarde é um acto de liberdade.
Tenho sonhos que me acompanham desde pequena: ter muitos filhos, um quintal e um cão, fazer uma viagem numa autocaravana, ter uma casa no campo.
Tenho sonhos de adulta como ir a Buenos Aires, ao carnaval de Veneza, à Califórnia, a Istambul e à Capadócia. (Só viagens...)
Quero ver o meu filho crescer feliz e livre. Estarei sempre disponível para ele.
Gosto de pensar que a vida dá voltas que não programámos e que alguma coisa surpreendente boa pode acontecer a qualquer momento.
38 anos: óptimas recordações do passado e uma vida pela frente!
2 comentários:
parabéns pelos 38 e por este post!
és uma pessoa muito bonita :)
Obrigada, Senhorita J.
:-)
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