No outro dia, ao almoço, no museu, chegou-se a essa conclusão (fantástica!) de que isso de deixar a cozinha para arrumar de um dia para outro "por favor, é um nojo"! Por causa disso, deixei hoje o Damisch aqui ao lado (com o fabuloso título "L'Amour m'expose") e agora tenho as mãos a cheirar a lixívia. Por causa disso compreendo Virginia Wolf. Por causa disso passo muitas horas de almoço calada e faço bem. Por causa disso, às vezes, dá-me uns ataques de superioridade, de arrogância. Que isso, de deixar a cozinha por arrumar, a loiça no lava loiças... Ai, ai.
Na verdade isso irrita-me. Irrita-me não conseguir ler Damisch em francês e arrumar a loiça na máquina ao mesmo tempo. Irrita-me não conseguir, ao mesmo tempo, trabalhar a tempo inteiro, fazer a tese de mestrado, ser uma excelente dona de casa com a roupa sempre passada e a cozinha arrumada, sair com os amigos, namorar, ir ver as coisas (coisas???) do Alkantara... Mas eu balanço, eu não aguento. Eu não cedo.
A loiça desarrumada é coisa antiga. Antiga demais. Na verdade foi um dos primeiros sinais do divórcio dos meus pais. Deixaram de tratar um do outro. Eu não trato de ti. Tu não tratas de mim. A loiça acumula e eu ali a vê-la crescer na cozinha com azulejos de desenhos verdes, com armários verdes. Cá em casa é igual. Acumula. Acumula-se. Acumulamo-nos. Será algum sinal?
O meu pai irritava-se profundamente com esta minha mania, de não resolver, de não arrumar, de deixar tudo espalhado. De manhã, como sempre à pressa, deixava o púcaro onde aquecia o leite por lavar. O meu pai não suporta isso, mas agora eu já não vivo lá.
Estou a escrever sobre isto. É que na verdade gostava de ser arrumada, na cozinha e na cabeça... Mas é tudo uma confusão... E eu não consigo... Vacilo e dou por mim com o Damisch. Ou então dou por mim aqui a escrever isto. Ou então penso que não consigo arrumar a casa, nem comprar móveis porque tudo é precário e eu não estou preparada para coisas definitivas (é por causa disso que não me pedes em casamento, porque também não estás preparado? Para o definitivo, digo.)
E tenho outros defeitos, que não fazem de mim a mulher perfeita, nem de perto nem de longe: não uso lingerie sexy, não durmo nua, uso óculos quando tiro as lentes (e agora, este maldito cheiro nas mãos).
Vou-me embora. Tentar escrever por outras paragens. Mais úteis, que ninguém lê este blog!
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