quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Dear Rothko


Este é o centésimo post deste blogue. Demorei algum tempo a começar a escrevê-lo porque o centésimo post é uma coisa importante - e as coisas importantes paralisam-me. Penso muitas vezes porque é que comecei isto e porque é que o alimento (a ele, ao blogue). Não deve ser por necessidade. Deve ser por divertimento. Ou uma espécie de divertimento. Uma coisa parecida com divertimento, mas para a qual não existe palavra. Tipo: um suave e calmo divertimento. Talvez...
Escrever é um risco. Até que ponto posso e quero expôr-me? Quantas mensagens tenho em rascunho dentro de mim mesma? Às vezes são tão rascunhadas, que nem sei! Coisas incertas, incompletas, coisas que não são definitivas... Coisas ao contrário. Como os míudos que vestem a camisola do avesso:
- És tão despassarado! Andas sempre nas nuvens!
Eu também sou despassarada. Pelo menos a minha tia, a Dolores, dizia-me:
- Marta, és tão despassarada!
Mas eu gosto. Só ainda não descobri se ando sempre nas nuvens ou se sou feita de nuvens. Se calhar as duas coisas. (também gosto disso, do "se calhar").
Bem: pés na terra, que este post é sobre outra coisa!
Este post é sobre uma coisa ao contrário. Essa coisa ao contrário é a que está na fotografia.
Narro:
Este Verão fui a Londres. Pela primeira vez, que não sou cosmopolita (o Alentejo vive em mim, ou a nostalgia dele) nem viajada. E sobretudo - para ser sincera e não romântica - ando sempre tesa (i.e., com falta de dinheiro). Bem: Londres. Para alguém de História da Arte que está a fazer um mestrado sobre museus de arte contemporânea (sim, sou eu) Londres é a Tate Modern. Para alguém que ama Rothko (porque ele também era feito de nuvens), a Tate Modern é uma sala específica. Podemos passar anos a sonhar com uma coisa: uns sonham com o dia do casamento, outros com o dia do divórcio ou com o dia em que o filho nasce, blablabla. Mas existem uns quantos loucos (embora eu não conheça nenhum, eheh) que passam anos a sonhar com o dia em que chegam à sala de um museu. E eu cheguei lá, à sala. De facto posso confirmar que a sala existe. Mas, naquele momento, tudo para mim existiu ao contrário. Ainda não acredito que isto me aconteceu: a sala estava lá, os quadros estavem lá... Mas, qual amante magoado e vingativo, tudo de costas viradas para mim! My dear Rothko... E lá se foi uma oportunidade de êxtase, de lágrima no olho, de contemplação profunda. Tudo o que consegui ver foram as costas do meu amante. (felizmente, o meu legítimo consolou-me dizendo que muito pouca gente teria oportunidade de ver aquelas costas!)
Mas para quem ama, as costas não chegam! Aqueles quadros, feitos da mesma matéria que eu, aqueles quadros que já fazem parte do meu corpo, renegaram-me. Rejeitaram-me. Desprezaram-me. Há muito tempo tempo que isto não me acontecia... E, no entanto, continuam colados a mim.
A vida, às vezes, é ao contrário.

PS - A Tate tem agora (e até 26 de Fevereiro) uma exposição histórica sobre Rothko, que reúne pela primeira vez quadros que nunca puderam ser vistos juntos. Alguém me quer dar uma prenda de anos? Aliás: Uma prenda 2em1 Natal+Anos?

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