sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Lugares vazios


Oito cadeiras.
Melhor: seis cadeiras e dois sófas.
Oito assentos.
Assento: 1. lugar em que alguém se senta; 2. Apoio, base.
Oito assentos vazios onde alguém se senta. Onde alguém se sentava. Onde alguém se sentará.
A minha avó diz:
- Já são mais as cadeiras que os velhos. Os velhos foram morrendo e as cadeiras ficando.
Os objectos sobrevivem à nossa ausência. Esse é o seu segredo e a nossa angústia. Nós (e os velhos) morremos.
Morrer: 1. Passar do estado vivo para o estado morto, falecer; 2. Cansar-se demasiadamente até à exaustão; 3. Parar de funcionar.
Os assentos lá estão, à entrada da aldeia onde os velhos, provavelmente cansados demasiadamente até à exaustão (de quê?) se (as)sentavam.
A minha avó, a outra, dizia-me:
- Assenta-te aí!
Assentar: 1. pôr sentado; 2. registar; 3. escrever.
É isso que faço, avó: ponho-me aqui sentada, registo, escrevo.
- Pranta-te queda. (quando era mais pequena, prantava-me queda)
Os velhos, com pronuncia alentejana, não falam. Não estão lá, por isso não podem falar. Um escritor dar-lhes-ia voz. Eu não.
Oito assentos vazios para oito personagens inexistentes, que deus (Deus?) dá nozes a quem não tem dentes. E eu não tenho dentes dedos que escrevam.
E os assentos o que diriam? Uma discussão sobre mobiliário urbano? Sobre mobiliário rural? Sobre mobiliário de interior urbano-rural? Boa ideia! Que ricos assentos que deveriam existir por aí, não fossemos nós cansarmo-nos demasiadamente até à exaustão.

Quando voltei, a minha avó ao telefone:
- Olha lá, sempre foste tirar a fotografia?
- Sim, porquê?
- É que aqui na aldeia falaram com o teu avó. Já estavam todos preocupados a pensarem que era da Câmara.
- Não, era eu! Diz lá que podem estar descansados.
(E se eu fosse da Câmara, mandava pôr mais assentos. Reciclados, de preferência, que já vêm com história e talvez um dia um escritor passe por eles e acabe com as ausências dos velhos.)

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